6.02.2011

A alegria em São Paulo.

A imagem pública que o cristianismo tem não é propriamente a religião da alegria. Às vezes surge como uma religião torturada. No entanto, Paulo é quem mais fala da alegria. A palavra «kara» aparece 326 vezes no Novo Testamento e dessas vezes mais de 1/3 aparece nos escritos de Paulo: 131 vezes.

O primeiro aspecto desta teologia da alegria que encontramos em Paulo é a relação que Paulo estabelece entre a alegria e o mistério de Cristo. Nós devemos a nossa alegria à ressurreição de Cristo. É aqui que se encontra a fonte da nossa alegria. Ora, Paulo louva os Tessalonicenses porque no meio das tribulações experimenta a alegria do Espírito Santo no acolhimento da Palavra. É uma palavra acerca de Jesus e comunicação do próprio Jesus. Não é apenas um falar acerca de alguém, mas é uma palavra que tem um carácter formativo. Neste sentido, a alegria é sempre a alegria do encontro com o ressuscitado.
Na carta de São Paulo aos Filipenses, em Fl 1, 18-20, a alegria de Paulo é que Cristo seja anunciado. Este Cristo que é anunciado é o Cristo ressuscitado. Contudo, a teologia da alegria liga-se muito naturalmente a uma teologia da fragilidade. É na densidade mais contraditória, amassada no sofrimento, que nós podemos experimentar a alegria. Lembramos a 2 Cor 13, 9, em que Paulo diz que nós alegramo-nos quando somos fracos. E é na mesma linha que Paulo diz que Cristo foi crucificado na sua fraqueza mas agora está vivo pelo poder de Deus.
Continuando na carta aos Filipenses, em Fl 4, 4, Paulo convida a alegrarmo-nos no Senhor. Numa alegria que pressupõe que nos fixemos no Senhor. E é importante percebermos este paralelo com aquilo que Paulo diz antes em Fl 4, 2 sobre termos o mesmo pensamento no Senhor. Há um paralelo flagrante entre alegrar-se no Senhor e manter o mesmo pensamento no Senhor. Isto dá-nos a entender que a alegria converge-nos em Jesus. Na 2 Cor 2, 4, Paulo afirma estar cheio de consolação e de alegria. Reparem como numa vida atribulada, Paulo ainda é capaz de falar da alegria.

Um segundo aspecto que importa salientar, é que assim como a alegria em Paulo é cristológica, também é pneumatológica, porque o espírito que está presente na alegria é o espírito do ressuscitado. Então, a alegria é também a acção desencadeada pelo espírito nas condições actuais do cristão. Caminhar na alegria é deixar-se conduzir pelo Espírito Santo. Em Rm 14, 17, vemos que o reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Portanto, o cristão tem o dever da alegria. Um santo triste é um triste santo.

Ora, temos a alegria no Senhor, a alegria no Espírito Santo, e por fim, resta falar da alegria na Igreja (o terceiro aspecto em Paulo). É na Igreja que Cristo se dá a ver. A alegria envolve a própria comunidade, e por isso Paulo diz muitas vezes: alegro-me convosco. Na 2 Cor 1, 24, Paulo afirma aos coríntios que somos colaboradores da vossa alegria. Qual é o papel do apóstolo? É acima de tudo, ser colaborador da alegria. A alegria é por isso uma arte que a comunidade cristã sabe fazer. A alegria é a acção da própria comunidade, como vemos em Fl 2,2. A comunidade cristã é capaz de completar a alegria e é também fonte da alegria.

Muitas vezes, a ideia que nos surge de Paulo é que ele é um pessimista ou acusado de um pessimismo em relação à existência humana. Mas esta ideia não tem objectividade. O homem, em Paulo, aparece equivocado na alegria. Quando Paulo diz em Fl 1, 18 que se alegra a mais e ainda mais se continuará a alegrar, este alegrar-se “ainda mais” implica o horizonte cristão. A «kara» tem a mesma raiz de «káris» que significa «graça». Nesse sentido a alegria fala-nos da possibilidade de vivermos alegremente nessa glória. E por isso, em Rm 15, 13 Paulo escreve: «que o Deus da esperança vos encha da alegria».

26 de Maio de 2011

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